por
© Armando Cardoso
E mesmo que a traça chegue ao cião ou à magenta, é não querer
desistir do papel. Procurar na azeitona a expressão. No tom da pele,
a tonalidade universal. É querer acender fósforos assim que a noite se
escape.
É uma vontade de ser veleiro, a par de dente na terra húmida. É querer ser
um átomo desobrigado e seguro por se saber desabrigado. É querer procurar
na possibilidade o vocábulo dos astros abandonados. É não ter receio de
interceder por eles e de correr o risco. É não desistir de nascer e morrer no
movimento perpétuo dos acordados. É saber caminhar como um nómada
cegado pela vaga das areias. Não ter medo de habitar uma fenda ou coisa
nenhuma. É não querer abraçar a certeza, a face obscura dos espartilhos.
É querer semear um olival na gota de uma espuma perene. Fazer da sombra
a imagem da cor difusa. É encontrar um mundo novo em cada míriade que se
liberta. E assim deixar entrar um fluido que se infiltre no caminho incerto.
É isso a Liberdade. A liberdade de se ter a poesia no corpo. E, por isso, o gesto
madrigal.
Angra do Heroismo, 2022